O Presidente de Angola considerou hoje que a “Operação Resgate”, que tem colocado milhares de agentes nas ruas, tem um pendor “eminentemente educativo e cívico”, que “visa recuperar os melhores valores da angolanidade”. Em síntese: “Somos todos matumbos”, pensou João Lourenço. E, se calhar, tem razão.
Discursando no Campus Universitário da Universidade Agostinho Neto (UAN), em Luanda, João Lourenço abordou pela primeira vez a operação, que teve início a 6 de Novembro e tem como propósito, segundo as autoridades do MPLA, combater as transgressões administrativas, venda ambulante desordenada, a imigração ilegal e ordenar a circulação rodoviária entre outros. Ou seja, citando o director do Gabinete de Informação e Comunicação Institucional da Polícia Nacional, comissário Orlando Bernardo, repor a autoridade do Estado/MPLA no país.
Para o chefe de Estado, em causa está a defesa de valores como os da educação, ordem, civismo, respeito pelo bem público e pelo próximo. É uma espécie de licenciatura militar de “educação patriótica”, agora direccionada de forma coerciva a toda a sociedade.
“Parece que estamos a perdê-los ao longo dos anos, por inacção e espírito de deixa andar. Não nos podemos sentir vencidos e resignados perante o que se passa aos nossos olhos no dia-a-dia”, sublinhou o Presidente que, aliás, foi um dos responsáveis (como ministro e dirigente do MPLA) pela perda do que agora diz querer resgatar.
Nesse sentido, João Lourenço reafirmou que o combate contra a corrupção, nepotismo e impunidade, bem como a luta “contra as seitas religiosas que se dedicam a extorquir valores e bens aos pacatos cidadãos de si já pobres ou fragilizados por doenças e outras contingências da vida” e ainda à venda de bens alimentares e medicamentos em locais inapropriados e insalubres, “tudo isso se enquadra na necessidade do resgate dos valores perdidos”.
“Da mesma forma que, em defesa da saúde pública, combatemos o surgimento e proliferação de clínicas e postos médicos clandestinos, combatemos o comércio ilegal das cantinas, bares e restaurantes não licenciados ou autorizados pelo Estado, também no ensino temos de combater os estabelecimentos de ensino e, no caso, universidades privadas, não reconhecidas pela entidade competente do Estado”, frisou. Ou seja, ao fim de 43 anos de gestão do MPLA, nada se aproveita.
Para o Presidente, as universidades privadas constituem “um negócio lucrativo”, que “não olha para a qualidade do ensino ministrado, que levam os estudantes até ao último ano sem a possibilidade de entrar para o mercado de trabalho por falta de certificado ou diploma”.
João Lourenço defendeu, por isso, que o Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação deve ser “rigoroso” e concluir “quanto antes” o trabalho que tem vindo a realizar com essas instituições de Ensino Superior que não têm cursos legalizados.
“Nesta luta de resgate dos valores da nossa sociedade, onde tudo isso se enquadra, longe de ser um assunto só das autoridades do Estado, gostaríamos de contar com a participação voluntária de todos, das organizações não governamentais (ONG) e associações cívicas, das associações e ordens profissionais, das Igrejas, da comunicação social, dos internautas e blogueiros”, sublinhou.
Bem que João Lourenço poderia citar um dos mais emblemáticos condecorados do Governo (Bonga) quando, em Agosto, disse: “Os mais inconvenientes na minha terra são os doutores, engenheiros, advogados, porque são imitadores da cultura do outro, e isso é triste. E são incapazes de ter uma conversa com a mãe que é lavadeira, com o pai que é analfabeto, têm vergonha porque são complexados, e estão sempre com a gravata”.
Segundo o chefe de Estado, uma das questões que a todos deve preocupar é a “qualidade” do ensino em Angola, “que deve ser cada vez mais exigente, não sendo elitista, porém, mais selectivo no bom sentido”.
E porque não voltar a citar Bonga? “Quarenta graus à sombra e ele está com uma gravata quase a sufocar e um casaco que veio de Londres, e as falas idênticas a qualquer telejornal em Portugal. Que vergonha! Esse tipo de indivíduos é prejudicial à nossa coesão artística, social, psicológica. E são eles que são os professores, os generais, os ministros. Onde é que a gente vai parar?”
“Esta necessidade de maior rigor, mais exigência nos perfis de admissão, deve ser não só para com os estudantes, como também para com o corpo docente, que tem a responsabilidade de transmitir os conhecimentos com padrões de qualidade recomendados”, realçou João Lourenço.
Falando na presença da ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria do Rosário Bragança Sambo, e do reitor da UAN, Pedro Magalhães, o Presidente de Angola lembrou que, recentemente, foi aprovado o Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior, de forma a “dignificar mais esta classe de profissionais que muitos sacrifícios consentem para a formação dos quadros angolanos”.
Para João Lourenço, a aposta de Angola no Ensino Superior “não é uma despesa, mas sim um investimento reprodutivo”, pelo que o Governo incluiu medidas do Plano Nacional de Formação de Quadros para incrementar a frequência universitária, através da concessão de bolsas de estudo internas.
“Apesar dos conhecidos constrangimentos financeiros, temos vindo a realizar um grande esforço nesse sentido, em especial para apoiar os estudos em áreas prioritárias, como as engenharias e tecnologias e as ciências da saúde. Temos consciência que o número de bolsas de estudo concedidas anualmente ainda é insuficiente para fazer face à demanda, e é por essa razão que temos procurado fazer uma selecção criteriosa que atenda principalmente aqueles candidatos mais carenciados por um lado, e aqueles com melhores qualificações, como forma de estímulo ao bom exemplo que passam para os demais, por outro”, declarou.
Nesse sentido, apelou ao sector empresarial privado para incentivar e apoiar os estudantes de mérito com bolsas de estudo nas áreas correspondentes ao objecto social das suas empresas, como forma de contribuir para a formação superior de mais jovens angolanos com talento.
“Sabemos que esse ingresso no mercado de trabalho é a maior preocupação dos estudantes que terminam a formação superior. Por essa razão, a Estratégia Nacional de Formação de Quadros preconiza que uma boa percentagem dos formados seja absorvida pelo sector empresarial privado, que, como em qualquer economia de mercado, deve ser o principal empregador”, sustentou.
“Se queremos realmente impulsionar o sector produtivo, diversificar a nossa economia, então o sector empresarial privado deve criar a capacidade de absorver os melhores quadros que hoje estão na administração do Estado, e aqueles que todos os anos são lançados pelos Institutos e Universidades para o mercado de trabalho”, concluiu.
João Lourenço lançou, por fim, o desafio de, “num futuro que se quer não muito longínquo”, Angola colocar universidades angolanas no ranking das 10 melhores de África, manifestando o desejo de que a primeira seja a própria UAN.
“Sonhar não é pecado, antes pelo contrário, desde que trabalhemos com o objectivo claro de tornar esse sonho em realidade. O desafio é para todas as universidades. O tiro da largada da competição acaba de ser disparado”, terminou.
Folha 8 com Lusa